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MAIS QUE MÚSICA, UM ESTILO DE VIDA

A Bossa Nova foi um dos movimentos musicais mais populares e característicos do século XX. Ao longo dos anos 1960, milhares de artistas, principalmente compositores e poetas, gravaram e interpretaram lindas canções.

A Bossa Nova continua sendo um dos sons mais distintivos e definitivos da cultura popular do Brasil do século XX até hoje. Foi um movimento musical iniciado principalmente por compositores (e poetas), mas evoluiu para se tornar muito mais, abrindo caminho para inúmeros músicos ao longo dos últimos 60 anos. Na verdade, alguns dizem que nem mesmo é um gênero, mas sim um estilo de espetáculo.

Embora relativamente simples em sua formação, é um estilo de música maravilhosamente sofisticado e criativo; a profundidade e o significado de suas letras por si só motivam estrangeiros a aprender português.

Os anos dourados da Bossa Nova foram de 1958 a 1964. A década de 1950 foi um período de rápida industrialização no Brasil, trazendo uma onda de modernidade na arquitetura, design, cinema e música. Foi um período de transformação e mudança social no Brasil, um tempo de expansão que viu planos para construir uma nova capital, Brasília, no coração do país.

O berço legítimo da Bossa Nova foi o Rio de Janeiro, nos bairros de Copacabana, Ipanema e Leblon. Estudantes universitários, poetas e músicos de várias origens se reuniam e realizavam sessões de improvisação em seus apartamentos.

Naturalmente, para não perturbar os vizinhos, seu estilo e composição deram lugar a uma música “mais suave” do que a popularizada anteriormente, unindo uma miríade de influências. Com o tempo, perceberam que estavam começando a definir um novo som de harmonias e melodias entrelaçadas, tudo ambientado em um estilo vocal suave e ritmos percussivos gentis.

O surgimento da Bossa Nova reuniu um grupo improvável de intérpretes: Antônio Carlos Jobim, Vinicius de Moraes, Candinho, João Gilberto, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Nara Leão, Ronaldo Bôscoli, Baden Powell, Luizinho Eça, os irmãos Castro Neves, Newton Mendonça, Chico Feitosa, Lula Freire, Durval Ferreira, Sylvia Telles, Normando Santos e Luís Carlos Vinhas. Esses músicos, compositores e artistas, cansados tanto das vocais operísticos exaustivamente tocados no rádio quanto da cena de samba bastante monótona, estavam em busca de algo novo. Esse som representava realmente o povo do Rio e definiu o espírito revivido da nação.

Superestrelas internacionais como Frank Sinatra e Chet Baker já influenciavam artistas como João Donato e Billy Blanco. A Bossa Nova, no entanto, também tinha algo a dizer por meio de suas letras. O Rio agora tinha uma plataforma para contar sua história sobre as vidas dos protagonistas da música, um novo estilo de vida urbano e despreocupado (sol, mar e garotas).

Havia três elementos arquitetônicos para a Bossa Nova como a conhecemos hoje:

Os vocais e o toque de violão de João Gilberto
A composição de Antônio Carlos Jobim
As letras de Vinicius de Moraes

João Gilberto, tendo saído da Bahia em 1950, passou vários anos procurando trabalho enquanto desenvolvia diligentemente seu estilo único de tocar violão. A lenda diz que ele passou oito meses aperfeiçoando seu ofício no banheiro de sua irmã. Seu impacto foi imediato.

Antonio Carlos Jobim trouxe para a cena uma infinidade de influências musicais da Europa (Debussy, Ravel), América (Nelson Riddle) e, é claro, Brasil (Pixinguinha, Custódio Mesquita e Radamés Gnatalli). Durante o dia, ele trabalhava em uma gravadora enquanto se apresentava à noite em locais por todo o sul do Rio.

Vinicius de Moraes já era um respeitado poeta, dramaturgo, jornalista e funcionário público com os serviços consulares brasileiros. Ele conheceu Jobim em 1956, e logo uma bem-sucedida parceria de composição de músicas floresceu.

Também importante foi André Midani, chefe de um selo de discos internacional, que foi fundamental para assinar esses artistas pioneiros. Outros selos independentes – RGE, Elenco e Forma – também ajudaram a estabelecer uma identidade visual para o gênero lançando álbuns de Bossa Nova; as capas dos álbuns se tornaram quase tão importantes quanto a música.

Embora o álbum Canção do Amor Demais de Elizete Cardoso, lançado em 1958, tenha apresentado músicas de Jobim e Gilberto, foi o álbum Chega de Saudade de João Gilberto, lançado em 1959 e que mostrou canções de Jobim e Vinicius, que geralmente é considerado o primeiro álbum autêntico de Bossa Nova. A música brasileira nunca mais seria a mesma, e sua novidade instantânea significava que qualquer coisa vagamente moderna ou alternativa era rotulada como “Bossa Nova”. Você poderia ter geladeiras, óculos, sapatos Bossa Nova, praticamente qualquer coisa.

Três fatores essenciais ajudaram a lançar o movimento internacionalmente.

O primeiro foi a produção cinematográfica francesa Orfeu Negro. Filmado no Rio em 1959, a trilha sonora foi escrita por Jobim, Vinicius e o guitarrista Luiz Bonfá. Foi coroado com a Palme d’Or no Festival de Cannes, seguido por um Oscar e um BAFTA na categoria Melhor Filme Estrangeiro. A Bossa Nova foi uma vencedora.

O segundo ajudou a exportar o gênero para as costas americanas. Como parte da iniciativa “bom vizinho” do governo dos EUA, artistas como Dizzy Gillespie, Charlie Byrd, Herbie Mann e Coleman Hawkins estavam em turnê pelo Brasil. Logo começaram a espalhar a palavra sobre esse novo som nos EUA. O primeiro álbum de Bossa Nova lançado nos EUA foi em 1962, Jazz Samba (Bossa Nova ainda não tinha pegado), dos artistas de jazz Stan Getz e Charlie Byrd. O álbum apresentava tanto composições originais quanto interpretações instrumentais do estilo. Foi um grande sucesso, rendendo a Getz um Grammy. A versão de dois minutos de Desafinado passou dez semanas no Top 40 da Billboard dos EUA.

O terceiro elemento decisivo foi um concerto único no Carnegie Hall em novembro de 1962, que uniu uma lista de astros que incluía Jobim, Gilberto, Carlos Lyra, Sergio Mendes e Roberto Menescal, entre outros. O concerto foi um trampolim para várias estrelas nos EUA.

A famosa balada “Garota de Ipanema” foi lançada em 1964 no álbum Getz / Gilberto. Permaneceu nas paradas pop da Billboard por quase dois anos, ganhou quatro prêmios Grammy e ajudou a promover a Bossa Nova para uma audiência global. No mesmo mês de seu lançamento, no entanto, o Brasil foi alvo de um golpe militar que acabaria por marcar o fim de uma era para a Bossa Nova e tudo o que ela representava.

Embora o movimento em si tenha sido relativamente breve, a música continua viva.

Com suas conotações míticas e religiosas, a música define e energiza um país inteiro.

O samba é um rio que flui pela música brasileira, trazendo os frescos sons africanos que migraram para o Brasil durante o movimento de escravos. Ele se misturou com muitas outras influências em sua jornada, mas hoje, permanece uma expressão autêntica da identidade afro-brasileira.

Do Samba-canção (um fio lento e melódico de Samba do Rio de Janeiro dos anos 1920) ao samba de carnaval (uma fusão animada de Bossa Nova, eletrônica, hip hop e funk carioca que caracteriza as celebrações modernas do Carnaval no Brasil), o Samba é tão rico em sua harmonia quanto em suas letras.

Também é surpreendentemente diverso quando se trata de variações regionais e culturais. A composição rítmica do Samba reflete muitas culturas ao longo de 500 anos, ecoando a cooperação histórica entre índios, europeus e africanos, mas sempre foi uma expressão local. Por todo o Brasil, cada região reivindica sua forma de Samba. O Samba pode ser tão simples como uma melodia acústica de uma pessoa só ou tão complexo como um desfile de escola de samba com toda a bateria (banda de percussão completa, com ênfase em tambores). É todo Samba garantidamente, e desde o campo rural até as capitais urbanas, a música é uma celebração da vida e da comunidade.

A exibição pública mais destacada do Samba é o desfile de Carnaval de dois dias no Rio de Janeiro, que normalmente coloca 14 escolas de samba uma contra a outra na busca pelo título de campeã do carnaval. Outras cidades, como São Paulo, também realizam eventos semelhantes durante o mesmo período, mas a escala do evento do Rio de Janeiro é incomparável.

Quase 11 meses de trabalho árduo são dedicados à produção. Cada escola de samba apresenta um samba-enredo de 80 minutos (um desfile temático e impulsionado pelo samba), que geralmente presta homenagem a algum aspecto significativo da história ou cultura brasileira. Cantada por toda a escola e acompanhada por numerosos tambores (a bateria), o objetivo é cativar os espectadores que flanqueiam o Sambódromo (estádio construído especificamente para tais desfiles) e convencer um júri profissional, que julga com base em vários critérios (música, dança, trajes, carros alegóricos) de que sua escola é a digna vencedora.

As raízes mais profundas do Samba estão em Salvador, a capital colonial do Brasil e primeiro assentamento urbano. Na metade do século XIX, a província do Rio de Janeiro já tinha uma população de mais de 300.000 escravos. No entanto, com a abolição da escravidão em 1888, milhares de escravos recém-libertados migraram do norte da Bahia para o Rio de Janeiro em busca de emprego, povoando subsequentemente os bairros nas encostas da cidade. As favelas construídas nessas encostas ficaram conhecidas como favelas quando os soldados que lutaram na Guerra de Canudos na Bahia (1897) se instalaram na região. (Favela é o nome de uma planta espinhosa que cresce no interior árido da Bahia).

Nesses novos lares, encontros informais eram realizados diariamente, muitas vezes organizados pelas Tias Baianas. A anfitriã mais famosa era Tia Ciata, que organizava encontros de Candomblé (uma forma de religião africana praticada no Brasil), seguidos por um recital de música de samba. Era um convite aberto para as pessoas festejarem e socializarem.

Em tais reuniões, a mistura de influências musicais como marcha, lundu, polca, habanera, maxixe e tango começou a se assemelhar ao que reconhecemos hoje como ritmo de samba.

Os talentos musicais mais proeminentes da época se reuniriam, esperando ter a chance de tocar. Acompanhados de instrumentos de percussão, tambores da África Ocidental se misturavam com violões portugueses e cavaquinhos; os músicos improvisavam as letras e criavam versos fáceis de repetir para um coro de participantes cantar.

A primeira escola de samba, Deixa Falar, foi criada em 1928 e adotou o lema espirituoso “Nós também ensinamos, mas aqui aprendemos o samba”, referindo-se a um antigo clube de professores localizado ao lado. O movimento do samba cresceu, e logo, duas outras escolas abriram suas portas: Mangueira e Portela.

Durante os anos 30, a população branca do Brasil começou a se identificar com o som que descia das encostas. Isso deu início ao que é geralmente considerada a era de ouro do Samba. A mudança da gravação mecânica para a elétrica ajudou a definir essa era, oferecendo aos artistas maior alcance, tom e meios de expressão.

O surgimento e a rápida expansão do rádio deram ao Samba ainda mais oportunidades de crescer. Em 1939, um novo gênero musical nasceu, o samba-exaltação. Essa nova onda foi inaugurada com uma música que logo se tornou a mais ouvida e interpretada canção brasileira no exterior, Aquarela do Brasil, de Ary Barroso (só superada pela chegada de Garota de Ipanema na década de 60, 25 anos depois).

O Samba de Gafieira ganhou destaque nos anos 40 e 50, muito influenciado pelas orquestras de rádio dos EUA. Nos anos 60, artistas de Bossa-Nova e MPB (Música Popular Brasileira) abraçaram a Velha Guarda, redescobrindo veteranos compositores e cantores como Cartola e Nelson Cavaquinho. Uma nova geração logo os seguiu: Paulinho da Viola, Elton Medeiros e, pouco depois, Martinho da Vila, com Clementina de Jesus, que estreou em 1964 aos 63 anos.

Nos anos 70, novos compositores surgiram: João Nogueira, Paulo César Pinheiro, Candeia, Nelson Sargento e Monarco. Eles escreveram músicas para os próximos cantores de samba, incluindo Beth Carvalho, Alcione, Roberto Ribeiro e Clara Nunes.

Os anos 80 e 90 viram o surgimento de um ramo popular do samba, o Pagode. Grupos como Fundo de Quintal e Raça Negra venderam centenas de milhares de álbuns e inspiraram um movimento renascentista em direção a um samba mais tradicional, enraizado em suas origens.

A música é um dos aspectos mais importantes da cultura brasileira. Sua identidade única vem da fusão especial de elementos europeus e africanos trazidos pelos colonizadores portugueses e seus escravos, além de um considerável patrimônio das tribos indígenas e de seu folclore regionalmente variado.

Até algum momento do século XIX, Portugal tinha um forte controle sobre o que entrava e saía do Brasil, e consequentemente era responsável por introduzir muitos elementos musicais, tanto sofisticados quanto populares, na sociedade. Essa influência se estendeu desde os instrumentos específicos trazidos, até os tipos de harmonias empregadas e ao desenvolvimento da literatura musical, ao longo dos primeiros séculos da ascensão da colônia. Claro, a maioria desses elementos não era exclusivamente de origem portuguesa, derivando, na verdade de toda a Europa, mas aconteceu de os lusófonos serem os responsáveis por introduzi-los no Brasil.

A cultura africana teve uma enorme influência na diversidade dos ritmos, danças e instrumentos brasileiros que vemos hoje, especialmente no que diz respeito à música folclórica e popular brasileira, essa influência alcançando seu auge a partir do século XX.

O intercâmbio cultural com países além de Portugal começou a crescer por volta da metade do século XVIII, estimulando o interesse em óperas italianas e francesas, e diversas danças, como a Zarzuela espanhola, Bolero e Habanera; Polcas e Valsas alemãs, bem como incontáveis ritmos africanos.

A partir do final do século XVIII, a música popular brasileira começou a ganhar seus tons distintivos, realmente se destacando a partir dos anos 1900, graças à propagação generalizada do Lundu, do Choro e do Samba.

A cena musical brasileira começou realmente a florescer durante o século XX, graças à crescente globalização e a uma mudança de atitudes em relação a uma sociedade mais aberta com relação às artes. Foi também durante este período que a música brasileira se tornou verdadeiramente sua própria entidade e foi capaz de se distinguir totalmente, mantendo-se fiel às suas origens como uma mistura de diferentes estilos. Villa-Lobos foi o primeiro músico brasileiro cujo trabalho combinou os aspectos mais refinados da música clássica com toques e sabores brasileiros distintos, abrindo caminho para futuros compositores ‘brasilianistas’.

Ao longo do mesmo século, a música popular começou a ganhar fãs dos estratos mais altos da sociedade, transformando um ou dois ritmos em verdadeiras marcas registradas brasileiras, em particular o Samba, a Bossa Nova, o Tropicalismo e a Jovem Guarda. Ao mesmo tempo, o Jazz e o Rock dos EUA estavam conquistando o mundo, e no Brasil não foi diferente, embora não pudessem deixar de ser influenciados pelos sons locais quando chegaram aqui. Música folclórica tradicional e regional, como Sertaneja, Baião e Forró, bem como o famoso Funk carioca, são apenas alguns dos estilos musicais que têm crescido cada vez mais bem-sucedidos em todo o Brasil com o passar do tempo.

Graças ao surgimento de inúmeras escolas de música, estúdios de gravação, fabricantes de instrumentos, orquestras e grupos musicais, emissoras de rádio e TV e festivais; entre outros elementos, a qualidade e a quantidade da música brasileira cresceram exponencialmente, de modo que agora é motivo de orgulho para os brasileiros e objeto de admiração e estudo global.

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